Especulação Imobiliária em Boipeba e Seus Impactos Tradicionais

Especulação imobiliária transforma Boipeba e ameaça modos de vida tradicionais

A Ilha de Boipeba, localizada no sul da Bahia, tem enfrentado um processo preocupante de especulação imobiliária que ameaça não apenas o meio ambiente, mas também os modos de vida das comunidades tradicionais que habitam a região. A luta dos quilombolas pela preservação de suas terras e culturas se intensifica à medida que cercas e guaritas surgem, bloqueando áreas de uso coletivo e restringindo o acesso a recursos essenciais.

A vida comunitária em Boipeba

A vida na ilha é organizada em quatro núcleos principais: Velha Boipeba, Monte Alegre, Moreré e Cova da Onça. Essas comunidades tradicionais dependem de práticas de pesca artesanal, agricultura de pequena escala e coleta de frutos, que são transmitidas de geração em geração. No entanto, essas práticas estão sob ameaça crescente devido à construção de empreendimentos turísticos e imobiliários que cercam e isolam áreas vitais.

O quilombola Benedito da Paixão Santos, conhecido como Bio, busca refúgio nas áreas preservadas da ilha, onde a natureza ainda oferece um espaço de paz e reconciliação. Ele reflete sobre a relação entre as pessoas e a natureza, enfatizando a importância deste elo para sua identidade e sustento. Contudo, o acesso a esses espaços tem se tornado cada vez mais difícil.

Impactos da especulação imobiliária

Ao longo de 20 quilômetros de litoral, as cercas de arame e os empreendimentos imobiliários têm bloqueado praias, trilhas e manguezais, transformando espaços coletivos em áreas restritas. Bio expressa sua indignação: “Boipeba virou um curral. Cercaram nossos caminhos, nossas fontes de água, os lugares de pesca.” Esse cenário se agravou com a concessão de licença prévia pela Inema à Perville Engenharia para o projeto Encantos de Boipeba, que ocupa 227 hectares, afetando diretamente as rotas tradicionais de pesca e circulação.

Segundo o Ministério Público Federal, a Perville não apenas avançou sobre terras da União e áreas de preservação, mas também violou direitos quilombolas ao não consultar as comunidades afetadas, conforme exige a Convenção 169 da OIT. Esse processo de grilagem de terras e degradação ambiental é um reflexo do desrespeito aos modos de vida dos habitantes locais.

Os desafios da resistência

A pressão exercida por pequenos e médios investidores, incluindo estrangeiros, tem ampliado o problema, como observado em Moreré, onde pousadas e resorts têm surgido em áreas próximas às comunidades nativas. O Relatório de Conflitos Socioambientais do Conselho Pastoral dos Pescadores revela que a expropriação de terras e a restrição de acessos estão se tornando comuns, comprometendo o sustento das comunidades.

A falta de ação firme por parte dos órgãos públicos, como o Inema e a Secretaria do Patrimônio da União, contribui para essa situação. O MPF criticou a atuação do Inema, que deveria proteger os territórios tradicionais, mas se tornou um facilitador da especulação, permitindo que interesses privados se sobreponham ao bem-estar das comunidades locais.

A luta por direitos e identidade

As cercas não apenas limitam o acesso a recursos naturais, mas também prejudicam a vida cotidiana dos moradores. Soélia Evangelista, uma marisqueira da região, descreve a frustração de ver os caminhos tradicionais sendo fechados, dificultando o acesso ao mangue e às fontes de água. “Parece que somos bois sendo adestrados,” lamenta, referindo-se à constante luta para manter suas práticas tradicionais de subsistência.

As comunidades quilombolas de Boipeba, que historicamente sobreviveram através da pesca e do extrativismo, enfrentam um futuro incerto. A resistência se torna um ato de preservação não apenas de seus modos de vida, mas também de sua identidade cultural. As assembleias e reuniões comunitárias têm sido fundamentais para articular a luta contra a especulação e preservar o que ainda resta de seus territórios.

O legado e a esperança de Boipeba

A história de Boipeba é marcada por séculos de resistência à colonização e à exploração. Desde a chegada do empresário italiano Fabio Perini nos anos 1980, a ilha tem sido palco de um processo de expropriação que continua a ameaçar a liberdade e o sustento de seus habitantes. A construção de cercas e muros não apenas desfigura a paisagem, mas também rompe laços comunitários e culturais que sustentam a vida na ilha.

Bio resume essa luta em palavras poderosas: “Me disseram para parar de lutar, porque estou enfrentando tubarões. Mas eu respondi: meu pai é o dono do mar.” A resistência dos moradores é um testemunho da força da comunidade e da determinação em proteger sua terra e cultura. Cada cerca erguida representa uma batalha perdida, mas a esperança de um futuro livre ainda permanece viva entre aqueles que se recusam a desistir de Boipeba. A luta continua, e a história da ilha ainda não acabou.